“Mãos que Traçam Fronteiras”, exposição individual de Demi Kaia

Foto divulgação

Em sua primeira exposição individual no Brasil, a artista grega Demi Kaia apresenta um conjunto de obras inéditas, criadas em residência artística na galeria durante 40 dias em Brasilia. A artista é eminentemente desenhista, é uma artista-ativista, cujas obras refletem muitas das questões conflituosas e tensas do mundo: guerras, defesa de gênero, violência contra mulher e animais etc.. Na exposição apresenta também diversos desenhos dos últimos 20 anos, inclusive vários de seus famosos “Diários” em capa de couro. Na residência criou objetos e esculturas usando elementos da natureza do cerrado e dos animais que observou no Brasil, dois temas recorrentes em sua produção artística.

Texto depoimento da artista com o crítico italiano Gianluigi Ricuperati Mãos que Traçam Fronteiras

Tudo começou com um gemido, um único e avassalador *porquê*. Em algum momento, você precisa se perguntar o que liga as convulsões do mundo aos valores mais básicos, ao senso comum essencial que pretendemos compartilhar. Foi exatamente isso que eu fiz. Comecei a escrever um diário muito jovem, determinada a registrar tudo. Crescendo durante a recessão grega, aquelas páginas se encheram rapidamente: imagens brutais e pornográficas em tinta, cenas políticas copiadas e recopiadas do mundo lá fora — virando você do avesso, como um Magnificat invertido, sombrio e cromático. Era uma forma de tradução. Violência representada pela violência. E, infelizmente, tais desenhos não envelheceram. Guerras. Genocídios. Ecocídios. Autoritarismos. Colapso ambiental. São as manchetes permanentes da nossa era.

Esta instalação — desenhos antigos e novos, objetos encontrados, esculturas feitas in situ — funciona como uma espécie de salto coletivo da memória, moldado por vidas humanas e não humanas e pelas maneiras como ambas são posicionadas, usadas e descartadas.

Como outros sistemas de dominação, o especismo define as estruturas que habitamos: um sistema de crenças no qual os poderosos traçam fronteiras para justificar a exploração de outras criaturas. Olhe ao redor e diga-me se esta não é a nossa narrativa central. Hoje, somos os protagonistas silenciosos desta parábola — acelerando através das telas que seguramos em nossas mãos, tornando-nos, por sua vez, mártires ou algozes, ou testemunhas silenciosas.

E assim surge a pergunta, inevitável: É moralmente correto sentir felicidade em um mundo tão fragmentado? Albert Camus escreveu que não aumentamos a dor de ninguém ao reconhecermos sua infelicidade; a aceitação pode, na verdade, fortalecer nossa capacidade de lutar por eles.

Eu escolho acreditar nele. A compaixão precisa prevalecer. Em suas palavras, “Ser humano é viver em um estado de tensão permanente: tentar guiar o mundo enquanto tenta não ser subjugado por ele”.Contudo, dentro dessa paisagem fragmentada, algo persiste: uma fé silenciosa, quase obstinada, em nossa capacidade de promover mudanças.

Se a violência ecoa através das gerações, a ternura e a compreensão também podem ecoar. Se a destruição molda a memória, o cuidado também pode. As mesmas mãos que traçam fronteiras podem desmantelá-las; o mesmo olhar que testemunhou o sofrimento em silêncio pode intervir e gritar alto. A esperança se apresenta como responsabilidade, mais do que como salvação.

Ela nos exige que permaneçamos alertas, que permaneçamos permeáveis, que continuemos a sentir mesmo quando percebemos a dor. Ela nos pede para imaginar formas de coexistência — caóticas, frágeis, imperfeitas — entre a vida humana e a não humana. Ela nos pede para praticar a compaixão não como sentimento, mas como resistência.

Talvez seja só isto que importa: cultivar um “princípio da esperança”, como Ernst Bloch o definiu de forma tão brilhante em sua obra-prima homônima, um cântico interior que nasce da atenção, da recusa, do ato repetido da vontade de não se desviar.

A prática da Esperança, mesmo que expressa no hábito diário de desenhar, escrever e imaginar espaços, pode funcionar, mesmo em um cosmos de pesadelo como o nosso, como um portal do tempo – desta forma, poderíamos chegar próximo da Utopia.

Sobre a artista

Demi Kaia nasceu na Grécia, vive e trabalha em Atenas. Ela apresentou seu trabalho em 11 exposições individuais e inúmeras coletivas, principalmente na Grécia, mas também na Suíça e na França. Seus numerosos “Projetos de Diário” serviram de porta de entrada para um grande número de desenhos, registrando a realidade grega em tempos de crise econômica, e seu trabalho recente é uma narrativa moldada por vidas humanas e não humanas e pelas maneiras como ambas são posicionadas, usadas e descartadas. Ela também possui duas performances em seu repertório e seu trabalho escultural atual cria ambientes que exploram a relação entre humanos e não humanos/natureza. Sua última exposição individual aconteceu na Fundação Katakouzenos em Atenas (2023) e foi intitulada “Biblioptaera”, com curadoria de Efie Falida. Suas obras podem ser encontradas em coleções particulares, incluindo a de D. Daskalopoulos (Fundação Neon), e muitas delas publicadas em revistas, jornais e no livro “That Time”, publicado pela editora Futura.

Serviço: “Mãos que Traçam Fronteiras”, exposição individual de Demi Kaia

Abertura terça-feira, dia 12 de dezembro, Galeria Karla Osorio – Pav. III, galeria 6

Em cartaz até 28 de fevereiro de 2026

Visitação: segunda a sexta, 10h – 19h, sábados 10h – 17h

A entrada é gratuita. Recomenda-se agendar por telefone, email, DM no Instagram ou WhatsApp.

Contato artista Demi: +30 694 4533517 demikaia@hotmail.com

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