
Com humor e linguagem jovem, Como Nascem os Heróis reflete criticamente sobre a construção de mitos homenageados no Livro de Aço, do Panteão da Pátria
“Pobre do país que precisa de heróis”. A célebre frase do dramaturgo e poeta alemão Bertold Brecht (1898-1956), escrita originalmente, em 1938, para a peça A Vida de Galileu, é uma crítica à idolatria e ao culto individual em detrimento às transformações estruturais na sociedade produzidas pelas lutas coletivas. No Brasil, oficialmente avalizados pelo Congresso Nacional, 74 líderes estão inscritos no Livro de Aço de Heróis e Heroínas, localizado no Panteão da Pátria (Brasília). O legado desses mitos ao longo da história, por vezes forjado pelo nacionalismo e autoritarismo da época em que existiram, é o mote da série de 10 episódios Como Nascem os Heróis, produzida pela Pavirada Filmes (DF) em parceria com Quartinho Produções (DF) e O Par (SP), que chega à grade da TV Brasil em 4 de dezembro de 2025, às 23h. Após a estreia, os episódios serão exibidos sempre às quintas-feiras, no mesmo horário.
A série se propõe a dialogar criticamente com as biografias de Anita Garibaldi, Bárbara de Alencar, Marechal Deodoro da Fonseca, Dom Pedro I, Duque de Caxias, Getúlio Vargas, Tiradentes, Sepê Tiaraju, Zumbi dos Palmares, Zuzu Angel. Em 10 episódios de 26 minutos, Como Nascem os Heróis aproxima a vida e a trajetória dessas personalidades de um público potencialmente jovem que deseja olhar para a história por um viés menos ortodoxo e contemplativo.
A linguagem das redes sociais, o humor, a ironia, a reflexão crítica e o conjunto de vozes diferenciadas e representativas dão à obra simultaneamente agilidade estética e profundidade temática. “A narrativa parte dessas nomeações sugeridas por algum parlamentar por meio de um projeto de lei a ser votado e aprovado pela maioria. Há claramente um percurso político nessas escolhas, e a função da série não é contar a biografia de cada um, mas, sobretudo, olhar para esses heróis e seus feitos de uma forma crítica”, aponta o diretor Iberê Carvalho, que divide a o olhar criativo da série com a codireção do documentarista Marcelo Diaz.
Inserida dentro da política de reposicionamento da TV Brasil como uma emissora de comunicação pública que cumpre a missão de criar uma programação de qualidade e de alcance cada vez maior aos brasileiros de Norte a Sul do país, a série é uma aposta para aumentar a audiência do canal, que hoje já figura entre os cinco mais vistos do país. “Como Nascem os Heróis vai enriquecer a grade da TV Brasil, especialmente por ser um conteúdo cujo objetivo é “ler a história à contrapelo”, isto é, oferecer uma perspectiva crítica sobre o contexto e trajetória de grandes nomes do panteão nacional. Com uma abordagem informativa, bem humorada e, às vezes, polêmica, a série é uma oportunidade para o público se conectar com outras perspectivas sobre a história e a cultura do Brasil”, avalia a diretora de Conteúdo e Programação, Antonia Pellegrino.
Rita von Hunty, persona drag criada por Guilherme Terreri (ator, professor e youtuber com mais de 2 milhões de seguidores nas redes sociais), conduz os 10 episódios como se estivesse em sua sala de trabalho e de fabulações. Em cada um deles, o espaço se transforma de forma lúdica, trazendo cenários e objetos que levam o espectador para dentro do imaginário cultural de cada uma das personalidades. “A direção de arte é um ponto central da narrativa. Explicitamente, estamos dentro de um estúdio conceitual que se modifica a cada episódio. Em Bárbara Alencar, por exemplo, buscamos o Nordeste mais presente com 30 bonecos de cerâmica que ajudam narrar a história. Já, em Zuzu Angel, o cenário virou uma ateliê de costura, enquanto Dom Pedro I, uma lojinha de suvenires. A busca desses imaginários é uma mescla histórica e contemporânea”, revela Maíra Carvalho, que idealizou o projeto junto ao professor de história Rafael Leporace Farret.
À medida que Rita von Hunty apresenta a vida, a personalidade e a trajetória, depoimentos de historiadores, filósofos, familiares, parlamentares, e imagens de arquivos históricos reforçam o debate crítico. “Um dos maiores poderes que existem na sociedade é o de edificar os seus mitos, signos e símbolos. Esforço, energia e até sangue são investidos para essa construção. O nosso desafio é apontar como essas figuras, os legados e as trajetórias foram manobrados de acordo com os interesses políticos. A série faz ao mesmo tempo uma apresentação e uma reparação histórica. Passa um pente fino para escovar a contrapelo algumas figuras emblemáticas do processo histórico brasileiro”, observa a apresentadora, que foi convidada pelos produtores a ingressar no projeto em 2020.
Série é desenvolvida há dez anos
Em 2013, Como Nascem os Heróis começou a ser desenvolvida com recurso do edital de Núcleos Criativos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA)/Ancine. Depois, ganhou o patrocínio do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) do Distrito Federal. Na sequência, a associação com as produtoras O Par (formada pelos produtores executivos Camilo Cavalcanti e Viviane Mendonça) e Quartinho Produções. Recentemente, recebeu o apoio da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) para ser inserida, em primeira mão, na grade da TV Brasil. “Esse foi um caminho de construção muito planejado. Sou um dos roteiristas do piloto que desenvolvemos em 2013 e agora assumi a direção das externas da série e toda a sua parte documental. Além dos depoimentos de historiadores, políticos de diversas vertentes, filmamos em cidades, ruas, monumentos e museus que se relacionam à memória desses heróis e heroínas”, conta Marcelo Dias.
Essa gama de depoimentos e incursões históricas dão à série credibilidade com informações confiáveis, diversificadas e relevantes. O desafio do roteiro de Como Nascem os Heróis foi não perder o tom leve e divertido para dialogar com a memória histórica. “Tem algo muito legal quando a gente traz uma drag como porta-voz da série. Assim como os heróis e heroínas, Rita também é uma persona. Nesse sentido, todos estão de certa forma performando e falando das múltiplas perspectivas que eles adquiriram ao longo da história”, avalia a roteirista Rafaela Camelo.
Os 10 episódios:
EP. 1 Getúlio Vargas (1882-1954): Presidente do Brasil, governou de 1930 a 1945 e novamente de 1951 a 1954. Implementou a Lei das 8 horas e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), consolidando a política populista, e o violento Estado Novo, marco ditatorial de sua trajetória.
EP. 2 Zumbi dos Palmares (1655-1695): Líder do Quilombo dos Palmares, lutou contra o regime escravocrata no Brasil. O legado de resistência tornou-se símbolo da luta pela liberdade e direitos dos negros e negras.
EP.3 Anita Garibaldi (1821-1849): Conhecida como “heroína dos dois mundos”, participou ativamente de revoluções na Itália e no Brasil, ao lado marido Giuseppe Garibaldi. Tornou-se ícone feminista e revolucionária.
EP.4 Duque de Caxias (1803-1880): Patrono do Exército Brasileiro, foi um militar e estadista que atuou em diversas guerras, incluindo a sangrenta Guerra do Paraguai. Seu trabalho é lembrado por promover a unificação do Brasil.
EP.5 Dom Pedro I (1798-1834): Primeiro imperador do Brasil, proclamou a independência em 7 de setembro de 1822. Passou a ser uma figura central na formação do Brasil como nação independente.
EP.6 Bárbara de Alencar (1766-1832): Líder da Revolução Pernambucana de 1817, lutou pela independência e pelos direitos das mulheres. Teve papel significativo na política local.
EP.7. Zuzu Angel (1921-1976): Estilista e ativista brasileira, lutou pelos direitos humanos durante a Ditadura Militar. Seu filho foi desaparecido, o que a motivou a se engajar na busca por justiça. Foi morta em acidente provocado pelos militares.
EP.8 Sepé Tiaraju (1720-1750): Líder indígena guarani, resistiu à opressão colonial portuguesa durante a Guerra dos Sete Povos das Missões. É lembrado como símbolo da luta indígena.
EP.9 Marechal Deodoro da Fonseca (1827-1892): Primeiro presidente do Brasil, liderou a Proclamação da República em 1889. Sua administração enfrentou grandes desafios políticos e sociais.
EP.10 Tiradentes (1746-1792): Mártir da independência, foi um dos principais líderes da Inconfidência Mineira. Executado por suas ideias libertárias, sua memória é celebrada como símbolo da luta pela liberdade no Brasil.
SERVIÇO
Como Nascem os Heróis
Série de 10 episódios de 26 minutos
Exibição: TV Brasil
Estreia: 4 de dezembro de 2025, às 23h.